domingo, 25 de outubro de 2009

A lentidão lucrativa

Por Ivan Guerreiro Vasconcellos
OAB 5616 RJ

“Advogados audiencistas”, “embalsamento” de processos, pilhas de papel sem qualqeur serventia. O sistema judiciário tem sido usado como uma ferramenta geradora de lucro, que nada tem a ver com a Justiça. Advogados de bancos e empresas de telecomunicações em-perram o andamento de ações simples mesmo sem o conhecimento de seus clientes.


Até o início de 2006, algumas grandes empresas e entidades do sistema financeiro nacional contratavam advogados estabelecidos nas próprias organizações nas Comarcas onde eram demandadas. A função desta prática era o alcance imediato do profissional contratado para atendimento da demanda, uma vez que a o profissional local teria maior interação com a filial e/ou agência e melhor entrosamento junto à Secretaria e Varas Judiciais.

Os honorários eram contratados mediante “Tabela de Honorários Advocatícios”, e seus pagamentos realizados por atos como: distribuição da inicial, contestação, registro da pe-nhora, sentença, recursos e a parcela chamada de “ad exitum”, na qual o advogado tinha um pagamento “extra” como recompensa pelo sucesso da demanda.

Isso funcionava muito bem. Apesar da Tabela de Honorários não ser “espetacular”, o vo-lume e a movimentação de ações remuneravam dignamente o profissional. Por ser o profis-sional conhecido e atuante naquela Comarca havia uma maior e melhor interação com co-legas, serventuários e Juízes, propiciando o diálogo.

A produção em larga escala

E meados de 2006, algumas entidades do sistema financeiro nacional e algumas das deno-minadas “teles”, substituíram o sistema de contratação. Os advogados das Comarcas do interior foram substituídos por grandes Escritórios de Advogados das Capitais, e os honorá-rios, até então pagos mediante tabela, foram substituídos por um valor correspondente a processo/mês sob a administração daqueles escritórios.

Aqueles escritórios passaram a ser remunerados não mais por atos que praticavam nos pro-cessos para os quais foram contratados, mas pela quantidade de processos que detinham daquele cliente em sua carteira.

Tal fato determinou uma modificação drástica nos processamentos judiciais, uma vez que a remuneração é feita por processo/mês, há o inegável interesse de postergar o máximo pos-sível a tramitação processual, pois quanto mais o processo se arrastar pelos escaninhos do Judiciário, maior será a remuneração do contratado.

Isso determinou o aumento do tempo da tramitação processual nos Juizados Especiais Cí-veis, nos quais processos que tinham duração média entre três e seis meses, chegam hoje a um tempo de tramitação de quase dois anos.

Os filhos da mudança

Esta nova política dos escritórios trouxe consigo também o aumento do volume das peças processuais, com dezenas e dezenas de folhas sem adequação lógica com o objeto do pedi-do ou mesmo resultado da sentença, interposição de embargos de declaração sem embasa-mento legal, de REsp sem fundamento autorizativo para seu acolhimento e remessa ao STJ, e para coroar a interposição de Agravo de Instrumento pela rejeição do REsp.

O pagamento de custas em recursos de diversos processos tem, atualmente, sido maiores que a própria condenação.

Surge então o “advogado audiencista”, vinculado aos Escritórios de Advogados contrata-dos, que na grande maioria dos casos nada sabe do processo e dos documentos que acom-panham a peça processual, vinculando sua assinatura a algo que não escreveu nem leu.

Ampliando-se também o número de contestações e recursos que do processo vinculado só têm a primeira folha – endereço/autor/réu/breve resumo dos fatos - o resto é cópia colada de outros iguais – dezenas e dezenas de folhas - de situações discorridas sempre em tese e que não foram objeto do pedido e muito menos resultado da sentença.

Uma série de procedimentos questionáveis propiciam, assim, o “embalsamamento” do pro-cesso, que vira uma verdadeira “múmia” que somos obrigados a arrastar, lamuriosamente, pelos corredores dos Fóruns e dos Tribunais. Tangidos como gado pelas estradas do Judici-ário: as partes, seus advogados, serventuários, juízes, desembargadores e toda sorte de pes-soas vinculadas ao processo.

Seria hipocrisia, das mais grosseiras, dizer que estariam os tais Escritórios exercendo “o constitucional direito de ampla defesa dos seus clientes”. Balela! O que lhes interessa é o resultado financeiro.

Das partes:

O quê dizer ao cliente quando a outra parte está deliberadamente dificultando o andamento do processo? E quanto mais tarde pagar mais usa o dinheiro dele. Seria injusto dizer que “Isso é regra do jogo!” “Dois anos passam rapidinho!” “Vamos aguardar apenas mais uns 8 meses, talvez mais!”


Dos clientes dos tais Escritórios:

Será que sabem que gastam desnecessariamente em custas judiciais só para manter o pro-cesso em curso? Sabem que a composição, muitas vezes menor do que o valor recolhido, seria muito mais lucrativa para a empresa?

Será que sabem que quanto mais se arrasta um processo, maiores serão os valores a serem pagos em execução, por serem acrescidos de juros e correção monetária?

Será que sabem que os únicos beneficiados por esse sistema perverso é o próprio Escritó-rios de Advogados contratados?

Será que sabem estarem na contramão do binômio custo/benefício?

Do Judiciário

Será que o Judiciário ainda não “enxergou” que está sendo usado para fins de garantir mai-ores ganhos àqueles Escritórios?

Será que o Judiciário ainda não constatou o aumento de folhas – copiadas e coladas - nos processos que tramitam por suas repartições, atravancando o processamento, e enchendo os escaninhos de inutilidades?

Será que o Judiciário ainda não observou o considerável aumento do tempo de duração de cada processo?

Que pensar dos Juízes que aceitam como preposto da empresa ou da entidade de crédito (nos casos dos JECs, nas ações cujo valor ultrapassa 20 salários mínimos) sujeitos que mui-tas vezes sequer cumprimentam as pessoas quando sentam-se à mesa de audiências e ficam olhando para os lados como se nada tivessem a fazer? Alheios a tudo, bocejando, consulta-do o relógio, entediado e louco para voltar para a Rodoviária...

Será que o Judiciário vai continuar tolerando esse tipo de comportamento argentário que prejudica toda uma coletividade?

Não se diga que a explícita irresignação seja fruto de inveja ou mesmo frustração de não participação de tal “esquema”. Esta é a constatação de um profissional com mais de 37 anos de atividade que assiste a tudo isso sem ter condições de intervir para minorar a situação a todos imposta.

Esta situação foi criada para tão somente beneficiar quem não tem nenhum compromisso com o Judiciário, quem não tem nenhum compromisso com o seu cliente e muito menos para com a sociedade. Tal procedimento interfere em todos os feitos judiciais, pois incham volumes e mais volumes com pura repetição de fatos discorridos em tese, na verdade ape-nas interessante para reciclagem de papéis...

domingo, 11 de outubro de 2009

Breve comentário sobre "Mutirão Carcerário" e o Sistema Penal

Postado por Rafael dos Santos Silva.

Mutirão Carcerário - Mais de 700 processos foram analisados em uma semana.
Notícia publicada em 09/10/2009 15:37 no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

“Na primeira semana da instalação do mutirão carcerário que está analisando processos de 22 unidades prisionais do Estado, a Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Rio examinou 778 ações. De 1º a 8 de outubro, foram deferidos 509 benefícios a réus condenados, entre esses, 241 benefícios de livramento - 18 extinções da pena, 143 livramentos condicionais, 72 concessões de regime aberto e 8 indultos.
Foram também concedidas 102 visitas periódicas ao lar, duas transferências de unidade, 20 remissões de pena, entre outros. Nem todos os processos, porém, resultaram em progressão de regime: houve 93 benefícios indeferidos, duas regressões de regime e três suspensões de visita periódica ao lar.
O TJRJ criou um pólo de trabalho no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Gericinó, em Bangu, onde estarão atuando cinco juízes, cinco promotores de Justiça, cinco defensores públicos, membros do Conselho Penitenciário e 100 servidores do Tribunal.”

Incrível como esta notícia caiu como uma luva, dando prosseguimento, continuidade, ao post abaixo.
Da crítica, a uma pequena solução. Será!?
Foram apenas em 22 unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro. Imagina um mutirão como este, em todas as penitenciárias do Rio e também dos demais Estados Federados deste Brasil.
Quantos “Joãos” e “Josés”, serão soltos!? Incrível é pensar na incompetência deste sistema carcerário arcaico, onde estão presos muitos inocentes. Presos, pois o Estado, que deveria dar garantias, apenas vira as costas.
Imaginemos a seguinte epopéia: João, jovem de 18 anos, humilde, de boa índole e educação, morador de uma comunidade às margens da sociedade, dominada por narcotraficantes. Este rapaz é negro, estudante, pronto para entrar numa faculdade e “ser alguém”.
Em um determinado dia, tiroteio. Traficantes e policiais. Partindo do princípio da boa índole humana, abrangendo também o que esperamos de um policial, os envolvidos (do lado policial, claro), são os defensores da sociedade. Então, João, indo para sua casa, é abordado, quando encontrava-se perto de pessoas suspeitas, lembrando que ele nada tem a ver com os traficantes.
Após uma revista geral, com um dos suspeitos é encontrado papelotes de cocaína. Conclusão, todos são algemados e presos. Acusação!? Tráfico de entorpecentes. Neste boblolô, vai João. Inocente.
Após todo o trâmite legal, os suspeitos, mais João, vão para o famigerado “banco dos réus”. E assim como os demais, João não tem advogado. João não tem dinheiro. Quem é João!?
João foi preso e sentenciado. Formação de quadrilha, associação ao tráfico. 20 anos de prisão. 2004.
Mutirão carcerário. 2009. Lembremos: “...foram deferidos 509 benefícios a réus condenados, entre esses, 241 benefícios de livramento - 18 extinções da pena, 143 livramentos condicionais, 72 concessões de regime aberto e 8 indultos.Foram também concedidas 102 visitas periódicas ao lar, duas transferências de unidade, 20 remissões de pena, entre outros.”
Opa! João foi um dos 509 beneficiários! Mas isso foi 05 anos após ter sido preso e condenado injustamente. Como ficará este nosso amigo João?! Ele estava pronto uma próxima etapa. Curso superior. Mas perdeu 05 anos de sua vida, devido a um péssimo sistema, que é arcaico e vergonhoso.
Senhoras e senhores deste meu Brasil. Obviamente, esta é uma história fictícia. Mas, ainda sim, devemos pensar nestes mutirões que acontecem. Sempre haverá um João a ser liberto.
Devemos repensar todo o nosso sistema penal. Mas não remendá-lo, como estão fazendo. Como por exemplo, esta porcaria que fizeram com a parte de crimes contra a liberdade sexual.
Rapaz, como pode ser comparado um beijo lascivo a um estupro? Um ato libidinoso a um atentado ao pudor. Fizeram uma miscelânea com isso, que me faz pensar numa frase: “Ou o sexo está caro, ou a vida vale nada!” Mas isso será comentado em outro post. Aguardem!!
Para finalizar, e espero não ter fugido muito do tema, quero propor para que formemos um mutirão carcerário, e assim, visitar nossos Três poderes!! Quem sabe, não tiremos os “Joãos” deste nosso sistema carcerário precário, e encaminhemos os “colarinhos brancos” para lá! Isso sim vai me surpreender!!