domingo, 27 de setembro de 2009

Prenda se for capa(ta)z

Por Marcos de Vasconcellos

Senti, ao ler o post abaixo, a necessidade de colocar em discussão neste espaço o sistema carcerário. Qual a sua função para a sociedade “livre” e qual a sua função para com os “internos” no sistema? Não falo de como ele está, mas o que ele é. A execução do sistema no Brasil é feita de péssima maneira, mas não é isso que me motiva a contestá-lo, é a sua origem e as suas razões.

Muitas vezes se repete o bordão da ressociabilização e re-inclusão na sociedade. Mas o que é estar dentro da sociedade? O simples fato de nascer em uma cidade (grande, ou média, ou pequena, ou rural) automaticamente insere o homem na sociedade? Ou isto é um fator ligado aos direitos sociais aos quais toda pessoa deve(ria) ter acesso?

Não paramos para pensar que, a partir do momento que contamos como inserido na sociedade apenas aquele que tem seus direitos sociais e humanos garantidos, falar em reinserção na sociedade por meio de qualquer sistema é um erro, um engano, uma vez que nunca houve a tal primeira inserção.

Uma vez que tratamos o marginal como alguém à margem da sociedade (e que provavelmente se encontra neste estado desde seu nascimento) não podemos concordar que os “marginais” atrás das grades terão a chance de se reinserir na sociedade, pois eles nunca fizeram parte dela. Não podemos VOLTAR ao lugar de onde não saímos.

Podemos discutir o sistema prisional então como um instrumento para tirar pessoas potencialmente perigosas da circulação no meio social. Então por que definir as penas? Se a função é tirar do meio social, seria óbvio então que as pessoas deveriam ficar trancafiadas até que estivessem inválidas e incapazes de repetir o feito. (Aqui caberia a punição que os escoceses impunham aos arqueiros ingleses na idade média, cortavam-lhes os dedos. Com os dedos cortados os ingleses eram libertados, pois jamais poderiam matar escoceses com seus poderosos arcos e flechas novamente.) Mas onde estaria a Justiça nisso, não é mesmo? Que monstros seríamos nós se clamássemos para um sistema com penas de reclusão que só seriam retiradas a partir do momento em que o “bandido” estivesse inválido? As sentenças de prisão perpétua valeriam tanto para o sujeito que bateu uma carteira ficasse preso a vida inteira tal como o sujeito que assassinou dezenas de inocentes no cinema, afinal, são dois delitos que possuem uma certa simplicidade de serem executados.

Chegamos então a uma terceira opção:a função do sistema ainda é a mesma da era feudal: o pagamento por alguma lesão causada. Funciona da seguinte maneira: um sujeito rouba sua vaca leiteira, o crime é descoberto e o sujeito é pego. Ele tem duas opções: pagar o que te deve (o preço de sua vaca acrescido do leite que você não teve durante o tempo-sem-vaca) ou então ficar preso, trabalhando para você ou até que algum parente pague a fiança. Hoje em dia chamaríamos de trabalho compulsório por dívida... algo abominável em qualquer documento de direitos humanos.

Se pareceu frio demais para você podemos então avançar no tempo e discutir a visão iluminista do sistema carcerário. Nela, os prisioneiros estão inseridos no sistema para que aprendam a não cometer novamente o delito que os levou ao cárcere. Porém, dê uma olhada nas filmagens e nas fotografias que existem documentando o sistema, ouça os relatos de ex-presidiários... O que se ensina dentro de uma cadeia? Pense em você mesmo, depois de adulto. Um castigo é o suficiente para você mudar sua personalidade? Existe alguma fórmula que sirva para mudar alguém, além de uma lavagem cerebral, uma lobotomia e outras experiência (tipo X-men) desumanas que já aprendemos a não fazer com nossos semelhantes?

Resta então o mais perigoso dos sentimentos. Que nos move de forma irracional. A vingança. Veja as reportagens e entrevistas com mães que perderam filhos para a violência (policial, miliciana ou do tráfico). Assista aos vídeos e depoimentos de quem perdeu um ente querido. Lembre-se do clamor nas ruas há meses atrás, quando prenderam o casal Nardoni, que arremessou aquela linda menina de 5 anos de idade da janela do apartamento...


Muitos dizem, com todas as letras “Não quero vingança, eu quero justiça!” Mas o que é justiça e o que é vingança? Quem decide isso se não uma corte e um júri formado por seres humanos, tão suscetíveis à dor e ao clamor social quanto qualquer um? Seria então a justiça apenas a colher de medidas da vingança?


Ficam as perguntas.

3 comentários:

Weber disse...

Como diz uma propaganda aí, não são as respostas que movem o mundo, mas as perguntas. E enquanto houver gente disposto a perguntar... bem, estamos aí.

Anônimo disse...

É exatamente isso que vivo dizendo, que bom que você escreveu: o graaaande iria Aris também iria adorar!
Juliana Oliveira

Iara Grotz Moreira disse...

Muito bom... mas como diz Paulo Freire, ninguém está à margem da sociedade, o sistema é que quer que a pessoa viva nessas condições miseráveis, o sistema precisa destes personagens, eles são parte do sistema, eles também fazem a maquina funcionar....